quinta-feira, 10 de abril de 2014

Sentindo no couro a primeira crise de abstinência

Por volta dos 18 anos, comecei a piorar significativamente. Tudo perdeu a lógica. O leite condensado que eu encontrava na despensa, eu comia. Então eu comprava outro para repor antes que alguém desse falta, mas comia. Então eu comprava outro para repor, mas comia. E aquilo não tinha fim, e eu estava aos meus próprios cuidados. Eu ainda não sabia que era viciada. Eu achava que não conseguia parar porque não tinha “tentado bem tentado”, e eu estava sempre “tentando”, cheia de culpa e frustração.

Graças a Deus, minha mãe me pegou no quarto comendo um saco de farinha branca pura (com uma garrafa de água para a farinha poder descer), então tivemos uma conversa triste e franca. Enfim, eu tinha alguém para me acorrentar, algo que eu precisava com urgência. Não sabemos o tamanho da nossa dependência, até tentarmos nos livrar com todas as forças, e fracassarmos. Nesse momento, eu vi como eu era doente. Passava o dia engolindo a seco e pensando na comida como se tivessem arrancado um pedaço de mim. A sensação do estômago fazendo uma digestão normal me assustava, pois até então eu só sabia o que era ter o estômago completamente cheio ou completamente vazio. A única coisa que me aliviava era pensar que por todo aquele esforço de abstinência, eu iria me premiar, após um ou dois dias, com adivinha o que? Com mais uma orgia alimentar! Por que dela, por ela e para ela são todas as coisas... Uma orgia alimentar era sempre um evento sagrado e muito esperado.


Ex alcoólatras falam como o importante é evitar O PRIMEIRO GOLE. O primeiro gole é sempre o dispositivo que faz tudo ir por água abaixo. Mas como evitar a primeira mordida em um alimento? Vocês têm noção do quanto é difícil encarar meu fantasma 5 vezes por dia? Muitas vezes eu desejei que existisse uma clínica de recuperação para isso, mas não existe. Um SPA seria perfeito, para quem tem dinheiro e tempo.


E a doença continuava... com menos frequência, mas com muito mais tensão. Descobri que a doença não estava apenas no procedimento que a caracterizava, mas sim na minha mente. O NÃO comer-e-vomitar é tão desesperador quanto o comer-e-vomitar. Uma simples roda de amigos com um petisco no meio da mesa é a situação mais penosa para mim. As pessoas conversam... e aquela presença no meio da roda me rasga... eu olho para elas jogando conversa fora, e queria tanto ser normal como elas... mas comer coisas gostosas junto com as pessoas só desencadeia no seguinte pensamento: "uma hora eu compro 500 disso pra comer sozinha". E mais uma meta doentia se instala na minha lista imaginária, e aguarda o grande dia...




Durante o processo de paranoia, eu evitava os conhecidos na rua, não cumprimentava. Se estava em casa, não atendia o telefone. Uma vez, no meio de uma orgia alimentar, meu namorado chegou à minha casa sem avisar. Aquela foi a primeira e única vez na minha vida que eu encostei em um ser humano durante uma crise. Quando eu senti a pele dele na minha, foi como se algo em mim fosse desconstruído e depois recriado. Não sei como, mas foi realmente um abraço do outro mundo.



 Não sei se vocês sabem quem é a morena dessas fotos. É Millie Brown, uma artista que pinta quadros com o próprio vômito, que foi convidada pela Lady Gaga pra vomitar em cima dela durante um show. Sem comentários... bizarrice maquinada, bizarrice atingida. Nunca tinha visto isso sendo explorado de forma comercial...



7 comentários:

  1. Ola primeiro muito obrigada pela visita, adorei receber vc no meu cantinho, adorei mesmo, por incrível que pareça aqui e o único lugar que posso ser eu mesma, sem máscaras ou medos. ..
    Adorei seu cantinho, espero que sempre venha por aqui.. vsi ser muito bom ter sempre vc por aqui...
    O que dizer a vc?? Puxa nada que eu diga pode aliviar esse furacão de sentimentos dentro da gente.. sei bem como é ser assim.." diferente".. tb desejei muitas vezes ser normal, como e difícil né. . Mas o que posso dizer?? Nada.. não há palavras, so posso dizer.. conte comigo quando precisar.. estarei sempre aqui.. bem vinda.

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    1. ooi! demorei mas to aqui =D! pode contar comigo também! uma conversa é sempre bem vinda! bjoss

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  2. Me identifiquei com você nesse negócio de ficar incomodada com um prato de comida no meio da rodinha de amigos. Ultimamente, estou tao me proibindo de comer que nem saio mais. Mas quando saio nao consigo nem prestar atencao na conversa direito. Fico pensando que hora posso enfiar a mao no prato de novo sem parecer compulsiva(e com o desejo de comprar os 500 e comer numa sentada só) - a regra que eu inventei é que eu posso estar apenas 1 salgadinho na frente do 2o colocado e jamais pegar duas vezes seguidas -.

    Também já pensei nisso do alcoolatra ok com o primeiro gole, mas o que fazer com a comida, é necessaria pra viver. Minha solucao imaginária é comer racionalmente, jamais emocionalmente. Obviamente eu não consigo seguir, mas sigo tentando. Confesso que odiar a comida tem tornado mais facil evita-la, apesar de ser outro extremo emocional, logo, nao tou cumprindo meu objetivo de me livrar de emocoes acerca de comida.

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    1. geentee é impressionante alguém ser tão sensata e tão louca ao mesmo tempo. essa regra pra comer socialmente é perfeita, eu já tinha lido teu comentário, e já tinha começado a seguir ahhahaha então vc pega o teu bom senso, e usa ele DENTRO do teu devaneio... é bem contrastante...

      comer racionalmente é meio rígido demais, pq pessoas normais tbm comem por prazer, mas é prazer físico... não é compensação emocional, com pra nós.

      ABRAÇO!!!

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  3. Oi Madame!

    Eu já fiz isso de repor algo que eu tinha devorado,e foram várias vezes no dia se tratava de biscoitos amanteigados!
    Farinha seca é o fim, mas eu bem sei que em uma compulsão vale tudo,e o pior é que até o que não é gostoso, se torna,por puro desejo de satisfazer a vontade desenfreada de comer!
    Quantas vezes eu tomava café com o marido e quando ele saia pra trabalhar comia tudo de novo,quando eu ia fazer o almoço,eu almoçava antes dele chegar e depois também,à tarde era um festival de guloseimas e miojo,ah meu passado me condenou, por isso carrego toda essa banha inútil no meu corpo.
    Atá hoje faço esses planos malucos e as vezes cumpro.
    Quando eu era criança a minha mãe me dava uma mixaria de mesada,e o que eu comprava era somente moça fiesta,doce de leite cremoso e salgadinhos.Infância marginal, eu estava acabando com a minha vida e desenvolvendo um transtorno e nem sabia!
    Hoje eu posso comprar muito mais e é por isso que aqui em casa quem faz a feira é o Príncipe, mas ele não entende o pq de eu não gostar de supermercados, sabe de nada inocente!
    Até que enfim achei um jeito de emagrecer, com o crudivorismo e o jejum higienista,alias estou no meu décimo primeiro dia de jejum de água, e me sinto vitoriosa,não só pelos meus 12kg eliminados, mas pelo fato de conseguir ficar dias longe da comida, dominar e não ser dominada!
    Ah, a minha casa tá pior que spa pq se vc abre a geladeira só tem frutas e folhas, se vc abre o armário só castanhas e amendoim,é fazer a dieta ou ficar com fome,já que sair de casa está fora de cogitação.
    Se vc já bebeu leite condensado saiba que não está sozinha,eu já trabalhei com doces,brigadeiro,beijinho,cajuzinho,moranguinho...E eu tinha caixas e mais caixas fechadas de leite condensado à minha disposição,nem preciso contar como isso terminou!

    A minha história com a comida é trágica!

    Beijinhos ^^

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    1. Ps: escreva mais aqui, porque eu adoroooooooo ler você ;)

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    2. criatuuura, vc colocou umas 13 palavras assassinas nesse comentário! ahhahah então vamos focar na água... esse jejum de água não é SÓ de água né??

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