quinta-feira, 10 de abril de 2014

VÍCIO: o vírus da metamorfose




Quando uma mania vira verdadeiramente um vício?
Quando essa mania passa a prejudicar outras áreas da vida. Essa foi a melhor definição que já vi. Quando o hábito extrapola seu limite natural, é porque não se tem mais controle sobre ele, e ele vai tocar sua saúde, seu rendimento profissional, sua vida social e familiar e o pior: seu caráter.
Veja como a bulimia se alastrou por cada esfera da minha vida.

SAÚDE: virando zumbi
Vi uma conhecida ir internada após um ano dessa prática. Noto que o anseio desenfreado pelo emagrecimento é muito mais perigoso do que o anseio pela comida. No primeiro caso, cada pequena quantidade de comida é expelida, então o ácido passa muito concentrado pela garganta, machucando-a, e a deficiência nutricional é muito maior. No meu caso é diferente: o ácido vem tão diluído em comida, que nunca me machucou, mas mesmo eu não apresentando deficiência calórica, e tentando compensar o desfalque nutricional comendo de forma saudável depois, sei que não é o suficiente. Posso pagar caro no futuro, pois a carência nutricional é cumulativa ao longo da vida, e a fraqueza, tremores no corpo e dores no coração devem estar ligados à falta de nutrientes. As pintinhas de sangue ao redor dos olhos acusam a pressão que o rosto sofre, e os dentes vão perdendo o esmalte que nunca voltará a ser o mesmo. A erosão ácida nos dentes também pode ser provocada por refrigerante, frutas e vinagre. Nunca se deve escovar os dentes logo após acidificar a boca. Deve-se apenas enxaguar, e esperar 15 minutos para escovar (meu pai dentista vive batendo nessa tecla).

RENDIMENTO: dormindo no vaso
Já aconteceu de eu pegar carona para o campus universitário com a minha mãe, chegar lá, e simplesmente dar meia volta e pegar um ônibus para uma lancheria durante uma aula importante. O que dirá chegar atrasada... Isso virou regra. No meu estágio, eu chegava quase todos os dias direto de uma crise bulímica, que causa um sono incontrolável. Eu ia para o banheiro e dormia sentada no vaso.

AMIGOS E FAMÍLIA: perdendo-os
Uma vez, minha irmã me apresentou a um amigo inconveniente que me cumprimentou assim: “Oi, prazer. O que você tanto faz LÁ EM CIMA??”. Eu falei que não entendi, então ele explicou: “É que a tua irmã disse que VOCÊ NUNCA FICA JUNTO COM A FAMÍLIA. Você está sempre fazendo alguma coisa... lá em cima”. Eu realmente era muito ausente, pois estava ocupada me destruindo. Quando ela descobriu meu problema, disse que por um lado era bom saber que eu não era ISOLADA por querer.
Ninguém pode se julgar uma pessoa “menos ruim” porque não faz nada de mal para os outros. NADA QUE VOCÊ FAZ CONTRA VOCÊ MESMO, CAI APENAS SOBRE VOCÊ. AS CONSEQUENCIAS TOCAM AQUELES QUE ESTÃO AO SEU REDOR. Minha mãe pode ter me ajudado, mas duas psicólogas acharam que ela precisava mais de terapia do que eu, pois ela se encontrava muito abatida, explosiva e sem saber como lidar.
Na aula, eu freqüentemente chegava com o raciocínio lento, com dificuldade de conversar, com medo de sentirem algum cheiro em mim, e mal arrumada por falta de tempo (tempo que a bulimia roubava). Então, novamente, eu me fechava. Porém, quando a marcação em casa apertou, passei a comer na rua mesmo. Eu mamava leite condensado na frente das vizinhas, comia ininterruptamente barras de chocolate durante toda a ida de ônibus até a faculdade, no meio de todos os outros universitários, e vomitava nos banheiros do prédio, mesmo que o lavatório fosse externo ao boxe sanitário! Independente de alguém ter me observado ou não, eu já me colocava no papel de “UMA LOUCA QUE NÃO VAI CONSEGUIR AMIGOS POR AQUI”.

CARÁTER: momentos de ladra
Eu acredito no respeito que um ser humano deve ao outro, nos mínimos detalhes. Mas o vício pode desfigurar o caráter de alguém. Quando se trata de comida, EU SEMPRE MINTO: não fui eu que comi. Não fui eu que gastei. Não estou com fome.
Teve um momento em que eu pedi para meus pais TRANCAREM A COMIDA na despensa. Meu pedido era genuíno. Mas aquele CADEADO nunca pôde comigo. Eu descobria a senha, seja por tentativa e erro ou por dedução. Na falta dos dois, eu dava um jeito de retirar o cadeado fechado mesmo, e devolver como se nada tivesse acontecido. Às vezes, eu tinha um momento de lucidez e denunciava a mim mesma, para que eles reforçassem a segurança. Outras vezes, não.
Outro pedido que fiz foi que eles controlassem meu DINHEIRO por um tempo. Esse pedido também foi legítimo, mas antes eu nunca tivesse aberto a boca. COMECEI A ROUBAR. Mercados grandes ou pequenos, não importava, as câmeras sempre têm um ponto cego. Eu gostava de pensar que, alguma dignidade eu ainda devia ter, então eu roubaria os produtos mais baratos possíveis, como as rapaduras. Doce enganação. Eu acabava não resistindo aos chocolates. Que ridículo seria alguém pegar uma moça nada pobre larapiando bolachinhas no mercado. Simplesmente patético.

6 comentários:

  1. É muito triste ler este post.
    O problema de qualquer vício é que este acaba tomando conta da vida de quem o possui de uma forma tão arrebatadora que transforma o indivíduo em escravo!
    Saiba que você é competente, é uma pessoa querida na sua família e tem um caráter digno, pois em todas as situações você foi desvirtuada pelo seu transtorno, isso algo que não se pode controlar.

    E sobre a bulimia meu Príncipe acabou percebendo,houveram discussões por causa disso,e o amor por ele foi maior que o meu transtorno,eu não poderia continuar fazendo algo que colocasse em risco a confiança que ele havia depositado em mim!
    Foi difícil e ainda é resistir a bulimia, mas eu tenho seguido firme,já passei por várias fases: vegetarianismo,R.A, e agora frugivorismo.
    O negócio é que quando se come e não se vomita pra uma pessoa bulímica é um castigo,uma punição.Então aprendi que a minha maior punição por ter comido demais era não vomitar,daí fui diminuindo as porções gradativamente,fui me reeducando,fui colocando limites em mim mesma.
    Sofri um bocado mas valeu a pena,embora meus dentes já estejam corroídos, eles são só um lembrete do que eu não devo fazer.

    Beijinhos ;)

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    1. baa é um castigo mesmo. PESO na barriga é peso na consciência... interessante como vc administra a coisa: radicalizou pro frugivorismo, pra ficar longe da tentação, mas se permite uma pizza, até porque nossa meta é, em primeiro lugar, ser normal! no momento em que SÓ radicalizarmos, viramos anoréxicas. Então, o segredo deve ser o equilíbrio, o meio termo...

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  2. É bem história de viciado mesmo. Eu ainda sou aquele viciado em negação do vício. hahahah

    Eu concordo com a teoria da Anita de que não vomitar, e aguentar as consequencias(emocionais e físicas), pode funcionar com o tempo para diminuir as transgressoes.
    Quando eu tava entrando num ciclo louco de - comer tudo - vomitar - nao comer nada - repeat - eu resolvi nao vomitar, e encarar a consequencia de ter tido uma compulsao (enjoo, ódio, nojo, engordar) e isso me ajudou a evitar compulsoes. Hoje em dia minhas compulsões nao são nada perto do que já foram(200 reais em um deposito de doces, devorados em uma unica sentada). Hoje eu chamo comer 6 barrinhas de cereal de compulsão.

    Mas não entendo nada de equilíbrio, meio termo, sou louca, anoréxica com um espírito de gordo meio teimoso de exorcizar.

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    1. naaoo, vc não parece negar o vício...
      essa teoria de não vomitar, meu pai mesmo inventou uma vez, eu achei um absurdo catastrófico quando ouvi! e comigo nunca funcionou, a compulsão continua, mas sem a parte de vomitar...
      nossa, 200 é bastante! hj gastei 20 e já fiquei me sentindo super mal!!

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  3. por quanto tempo você tentou? demorou 3 meses só engordando e me irritando, depois uns 6 meses aprendendo a manter e compensar de outras formas -as compulsoes foram diminuindo cada vez mais de tamanho e frequencia- e por fim, depois do ódio por estar gorda estagnada no mesmo peso há milênio, consegui voltar a restringir.

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    1. eu to sempre tentando... umas duas vezes por ano consigo apenas restringir e emagreço,vou de 59 para 53. mas aí sempre volto de novo ao meu normal

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